A evolução da secular Feira de Março, indicação sobre o teatro: (1837) (corrigir)

Artigo de Eduardo Cerqueira, in Arquivo do Distrito de Aveiro, Volume XIII, 1947: 288

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Na página 301:







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(Em 1837) José António de Resende «requereo em nome de Francisco Abrilom Director de huma companhia equestre foce intimado a arematante da Feira de Março ou o Director do abaracamento para demarcar no largo do Rossio o sitio em que o mesmo aBrelom poderá formar seu sercolo olímpico». É de presumir, repetimos, que se tratasse de um divertimento novo e de relevante interesse, tanto para a edilidade como para os munícipes, de um facto sem precedentes, pelo menos próximos. Na realidade, não estava previsto local para uma instalação desta natureza e com área tão considerável, e daí logicamente se infere que não fosse usual. Na ausência do arrematante e em resultado de se declarar o encarregado do abarracamento sem competência nem poderes para proceder à demarcação indicada, foi a própria municipalidade efectuá-la, interrompendo a sessão de 8 de Março de 1837 para, com esse fim, ir ao Rossio. Não fosse perder-se a oportunidade de disfrutar o atraente e apetecido espectáculo! O arrematante, Manuel António Loureiro de Mesquita, numa divergente atitude de desmancha prazeres testarudo, no estreito viso egoísta de acautelar suas receitas, garantidas por um contrato concebido sem previdência, pretendeu opor-se à montagem do reputado circo. A vereação, todavia, nem perante a ameaça de um recurso para as instancias superiores e dos consequentes incómodos, arredou um passo da decisão tomada. O renome do Circo Olímpico, demais, ainda mesmo quando outros já houvessem precedentemente visitado a cidade, deveria ter despertado entre os aveirenses uma ansiosa espectativa, uma geral e viva curiosidade. Artista e empresário com o sentido oportunista dos gostos e preferências populares, Avrilon, levando à cena, em heróico estilo, a figura de D. Pedro IV, soldado e símbolo da causa liberal, alcançara um clamoroso êxito. Chegara, decerto, o eco dos entusiasmos que provocou até Aveiro, tão ciosa e ufana de se haver assinalado como Berço da Liberdade, e imagina-se, assim, o ardente desejo da gente da cidade, o seu empenho de aproveitar mais esse pretexto para dar larga e vibrante expansão aos sentimentos políticos. E o benefício de um, foi logicamente preterido em favor do geral... prazer. (...)

         Nos princípios do novo século dispôs a feira de um motivo de excepcional interesse e sensação para a gente de Aveiro. Anos sucessivos trouxe-lhe a sua participação a companhia Dalot, um conjunto teatral de apreciável qualidade que contagiou nos entusiasmos pela arte dramática a generalidade da população e cuja memoria ainda perdura em saudosas evocações, servindo aos que dobraram o meio século como prova eloquente para o elogio dos seus tempos moços e o detrimento das ulteriores gerações. Permanecia a aplaudida companhia, instalada no Rossio, aos três meses em cada ano, com êxitos sucessivos, com enchentes ininterruptas, exibindo um reportório variado, em que alternavam as mágicas com as comedias, as tragédias com as operetas, os dramas com as revistas do ano.

         Os artistas popularizaram-se, tornaram-se figuras familiares na terra, e as peças, repostas com indecrescido agrado ano após ano, conheciam-se quase de cor. Alguns espectadores atrever-se-iam a pontar sem auxílio do texto a “Porteira da Fábrica”, Os dois garotos” ou “As duas Órfãs” e poderiam contar-se aqueles que antes das cenas de culminante sentimentalismo não houvessem já sacado o lenço da algibeira para enxaguar as irreprimíveis lágrimas doloridas. Com o ouvido musical peculiar aos aveirenses, representaria uma excepção quem não reproduzisse, da entrada à última nota, a partitura dos “Sinos de Corneville”, da “Mascotte”, do “Processo do Rasga” ou do “Moleiro de Alcalá”. E se alguma contrariedade da última hora impedisse o contra-regra de desempenhar a sua missão coordenadora, remover-se-ia a dificuldade sem embaraço de maior, pois entre os amadores mais assíduos não deixaria de aparecer algum que, com infalível exactidão, se encarregasse mesmo de dirigir e concatenar a movimentação sumamente intricada de algumas mágicas espectaculosas, como o “Castelo de Fogo”, a “Pêra de Satanás” ou “O Raminho de Oiro”.

         Recordam-se ainda os artistas nos seus tiques pessoais, nos pequenos incidentes das suas relações particulares, no seu aspecto físico e nas extravagâncias destituídas de preconceitos, nas intimidades mal acobertadas e nas intrigazinhas nascidas da emulação de camaradas. A pacatês fastienta de um burgo onde todos eram vizinhos e quase procediam por comum modelo, e o picante do fortuito escândalo rareava, deparava com fácil alimento para o anseio pela novidadezinha borbulhante e variado conduto para a mordacidade do comentário. Ficaram na tradição o actor Domingos – actor, cenógrafo, algumas vezes autor da revista do ano, sucessor do velho Dalot na direcção da “troupe” -; o Santos e a Lola, sua mulher e “partenaire”- pais de Ricardo Santos Carvalho, então estreante em episódicos papeis de criança -; José Vítor e seu irmão Henrique Tainha, que, alem de comediante, substituiria o maestro Simaria na regência da orquestra – e pai de Ausenda de Oliveira, futura estrela de opereta a tentar os primeiros passos de uma brilhante carreira -; a bela Maricotas e o seu aventuroso rapto; o Joaquim Tainha, que viria a acabar os seus dias, apagadamente, em Aveiro. Nunca tão forte e tão largo vibrou o gosto pelos espectáculos teatrais na população da cidade e nunca também a Caixa Económica de Aveiro contou com clientela mais numerosa e dissipadora na sua secção prestamista. Entre as classes populares penhorava-se o supérfluo e o necessário para não faltar ao Dalot, numa febre alta, num inconsiderado delírio que acabou por perturbar a economia de muitos lares de morigerados hábitos, onde, até aí, os gastos haviam sido rigorosamente condicionados aos parcos ganhos. A feira passado este acontecimento mais saliente e de mais funda repercussão no calmo ambiente local, que nem o famoso Circolo Olímpico, de Avrilon, lograra abalar com tamanha intensidade, regressou ao seu ritmo normal, e uma ou outra nova atracção, mal satisfeita a curiosidade dos primeiros dias decaía a curto trecho no nível da banalidade conhecida. (...)

 

 

“aprendi de cor os diálogos fanhosos dos façanhudos “robertos”.

 

In, Arquivo do Distrito de Aveiro, A evolução da secular “feira de Março”, pág. 300-302 (?)

 

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